De repente, ouviu um tiro que parecia ter saído de perto de casa. Fechou a janela do barraco sem pensar duas vezes e lembrou do marido que tinha dívidas a pagar. Ficou um tempo olhando pela fresta e gritou o menino no quartinho. A geladeira velha tampava o caminho, como uma trincheira velha ligada na tomada.
Depois de um breve silêncio, um grito desesperado. A velha vizinha chamava por Deus e avisava da desgraça.
Parou um tempo esperando entender, cada vez chegava mais gente lá fora.
Com susto, viu o menino de perto olhando pra ela. Passou o olhar pelas coisas empilhadas no barraco e lembrou das palavras daquele pastor miserável, ladrão de almas. Sabia que Deus não estava do seu lado.
Na hora, alguém empurrou a porta com força tentando entrar. O menino começava um choro muito alto. Ela pegou a peixeira do marido na parede e calou o menino com um golpe. Depois, enfiou a lâmina no coração.
Caiu desfalecida, como uma trincheira de carne estacando a porta de entrada.
Lá fora, mais gente chegava para trazer-lhe o recado.
21 de nov. de 2008
13 de nov. de 2008
No ônibus
Todo dia ela sentava no ônibus com a perna entreaberta.
Gostava de um pau duro por perto antes de descer pra trabalhar.
Gostava de um pau duro por perto antes de descer pra trabalhar.
11 de nov. de 2008
Labirintos
Depois de 3 dias sofrendo pelo desfecho da separação, resolveu sair de casa e dar uma volta pelo centro. Sentia falta das pessoas, agora de maneira ainda mais forte do que quando estava enfurnado no relacionamento. Mesmo sem conversar com ninguém, a multidão indo e voltando dava uma sensação de cumplicidade. Fazia bem. Perto da Praça da Estação, enquanto esperava o sinal abrir para os pedestres, uma moça que passava perguntou as horas. Ele, meio que em transe, levou um susto e respondeu que estava sem relógio nem celular. Por um instante, pensou no que significava esse desapego. Começou a atravessar a rua, absorto. Sabia que há alguns dias não se importava com o tempo e quis viver assim para sempre. Quando olhou para frente, viu o relógio da estação imenso no alto do prédio. Ainda tentou encontrar a moça pra dizer as horas, mas ela já havia sumido pelos labirintos de gente na calçada.
7 de nov. de 2008
3 de nov. de 2008
Prelúdio
Nos dias das primeiras chuvas vem aquele cheiro inconfundível de asfalto quase molhado. Quase, porque antes de cair a primeira gota, o cheiro toma conta. Um prelúdio urbano de água.
Nesses dias, volta a fazer diferença a relação das pessoas com o ambiente, que normalmente se restringe a uma roupa de frio de vez em quando. No dia da chuva, a água fica importante. Gente sai correndo, espera debaixo, calcula a hora, pula a poça. Um labirinto de gotas e espelhos.
A chuva surpresa costuma deixar felizes só os neuróticos de guarda-chuva. Ela deixa apreensivos os nerds de roupa limpa e desespera as mulheres com chapa.
O perigo de molhar é demais para a alma seca de quem vai e vem pela cidade.
Nesses dias, volta a fazer diferença a relação das pessoas com o ambiente, que normalmente se restringe a uma roupa de frio de vez em quando. No dia da chuva, a água fica importante. Gente sai correndo, espera debaixo, calcula a hora, pula a poça. Um labirinto de gotas e espelhos.
A chuva surpresa costuma deixar felizes só os neuróticos de guarda-chuva. Ela deixa apreensivos os nerds de roupa limpa e desespera as mulheres com chapa.
O perigo de molhar é demais para a alma seca de quem vai e vem pela cidade.
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